Alta Fidelidade, Caralhonésima Releitura…

E mesmo com quase uma estante inteira de livros não lidos (número que cresce assustadoramente), peguei “Alta Fidelidade” para reler. No início, me deu um certo medo de não curtir, ou de notar que o Randall da primeira leitura, aquele que leu em um dia, num fôlego só, deixou de existir.

Mas o livro continua sendo o que foi pra mim quando caiu nas minhas mãos, um pouco por acaso, em 98.

Só é estranho perceber o abismo de distância entre o Randall de 25, morando em Goiânia e defendendo um salário pouco maior que um “mínimo”, apaixonadíssimo por uma menina de 19 anos que morava a mil quilômetros dele, e esse Randall aqui, 38 anos, defendendo não um salário, mas um projeto de vida, casado com a tal menina pela qual se apaixonara, pai de um filho e esperando outra…

Cara, aos 25 eu sequer imaginava como seria quando me aproximasse do universo do Rob Fleming, 35 e penabundeado (aos 25 eu também não conhecia Reinaldo Moraes… não sacou o link? É uma pena, mas você deveria ler um pouco mais). Hoje, aos 38, é meio assombroso, mas tenho plena convicção que se isso acontecesse, não me passaria pela cabeça pintar logotipos na parede da sala…

Minha genialidade, se puder chamá-la assim, é combinar toda essa carga de medianidade numa estrutura compacta única. Eu diria que há milhões de cara como eu, mas não há, na realidade: muitos caras tem um gosto musical impecável, mas não lêem, muitos caras lêem mais são gordos demais, muitos caras são simpáticos ao feminismo mas tem barbas idiotas, muitos caras tem um senso de humor como o do Woody Allen, mas se parecem com o Woody Allen. Muitos caras bebem demais, muitos caras se comportam de modo idiota ao dirigir um carro, muitos caras se metem em brigas, ou tomam drogas ou ostentam seu dinheiro. Eu não faço nenhuma dessas coisas, sério; se me dou bem com as mulheres, não é por causa das virtudes que tenho, mas por causa das sombras que não tenho.

Das “sombras” que o Rob se vangloria por não ter, nem isso eu posso me gabar, pois sou gordo e me comporto como verdadeiro imbecil ao volante.

Mas sei que outro dia estávamos comendo num restaurante alemão do Shopping e ela cumprimentou um carinha. Quem era? Um aluno dela… da pós! E novamente eu me lembro da menina de 19 anos que me apaixonou perdidamente e vejo a pessoa em que se tornou hoje. E por aí, sei que jamais serei acometido pelas agruras que tanto incomodavam Rob Fleming, pois eu havia realizado algo: a Laura! Por mais que pessoas reivindiquem láureas sobre a pessoa em que ela se tornou, eu sei qual é a parte que me cabe nesse latifúndio! Ela sabe. Ela sabe que eu sei que ela sabe. E assim sucessivamente.

Acho que agora eu entendo tudo, com relação aos meus pais, pois fui incapaz de dar a eles isso que a Laura me dá. Eu não passo nem perto de ser uma pessoa de quem eles olham e sentem que “o dever foi cumprido”. Que valeram a pena as noites em claro, as fraldas com bosta, as idas ao médico de madrugada (se bem que, conhecendo as peças, acho que essas idas foram raras, muitos “dorme que passa” devem ter rolado, e não estou reclamando, só pra constar nos autos e não me acusarem de indulgência em excesso)…

Quando eu e a Laura fomos pra São Paulo morar num apê em que o pai dela sentia falta de ar e não se cansava de repetir “não sei como vocês conseguem morar num apartamentico desse tamanho”, quando ela talvez se questionava se mandar os Sócios em Sorocaba enfiar a clínica no cu foi uma boa idéia enquanto pastava desempregada e desesperançada… hoje a história é totalmente outra! E eu sei o quanto contribuí pra isso. Não estou me vangloriando nem medindo méritos com ninguém, mas o que eu sinto quando vejo a Laura hoje, não tem dinheiro no mundo que pague!

Domingos de Oliveira como Cabral, explicando no início de “Separações” que amar é querer o bem DO OUTRO.

Quando Laura ouve os acordes iniciais, ela gira nos calcanhares e sorri e joga os polegares pra cima várias vezes, e eu começo a montar na minha cabeça uma fita pra ela, algo que esteja cheio de coisas que ela já ouviu e cheio de coisas que ela vá tocar. Hoje à noite, pela primeira vez na vida, eu meio que vejo como é que dá pra fazer isso.”

Com o final da história eu me dou por satisfeito!

Shattered dreams, worthless years,
Here am I encased inside a hollow shell,
Life began, then was done,
Now I stare into a cold and empty well

The many sounds that meet our ears
the sights our eyes behold,
Will open up our merging hearts,
And feed our empty souls

I believe when I fall in love with you it will be forever,
I believe when I fall in love this time it will be forever


3 Comentários on “Alta Fidelidade, Caralhonésima Releitura…”

  1. Juliana Bruno disse:

    Minha história é muito parecida com a sua, só que eu tinha 16 e Herr Von Bismarck 20. Mas os mais de 1000 km (no caso 3000 – BH/Belém), os percalços para chegar lá na frente e ver que construiu uma vida bacana com aquela pessoa é muito legal. E tem essa galerinha que vem depois da gente e consegue ser bem melhor que nós, né não? Esse crescer junto é algo muito especial e não é para qualquer um, não.

    E Alta Fidelidade é um livro do caramba que me foi apresentado por você!

    Texto foda, como sempre!

  2. Helinho disse:

    Sei que cada pessoa é unica e intransferivel no universo; mas ao mesmo tempo o lado real me mostra que vida é de PAR: quente/frio,dia/noite,vida/morte…..penso que essa coisa de PAR torna a levada mais transponivel, principalmente quando se rema com sentidos próximos. Existe, sim, pessoas que se permeiam, e que pra elas, bacana é onde o outro está. Percebi uma coisa próxima a isto no texto do Autor, se tive a impressão certa, Parabéns para ambos.// Gostei tanto da definição da J. Bruno que vou copiar: Texto foda.


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